Essa semana parece que eu
participei daquele programa, Big Brother. Mas foi apenas uma prova de
concurso para professor universitário mesmo. “Apenas...” dá vontade de rir.
Essa minha frase é reflexo daquela máxima: “- Depois que passa a gente ri”. Pois
bem. Cara que loucura. Foi meu primeiro concurso. E é esse peso
mesmo do primeiro. A primeira vez. É tudo muito intenso. Começa
assim, abre o edital. Aí, você lê e vê se tem alguma condição de fazer aquele troço.
No meu caso eu não tinha não, mas eu sou uma porta de teimosa. Precisava
ter doutorado, eu ainda estou cursando, o que significa que se eu passasse, eu
ainda teria que correr com a tese. Precisava saber de geotecnologias. Eu sei só
que um mapa tem que ter escala. Precisava ter tempo para estudar, e de todos os
requisitos, isso era o que eu menos tinha. Mas eu fui. Eu me joguei, investi o
que dava. Porque como eu já havia dito, eu sou teimosa demais. Primeiro
minha inscrição foi indeferida, por causa do título do meu curso de doutorado. Óbvio
que seria. Nada para mim vem mole, meu bem. Mas essa lição eu já aprendi. Então
pedi recurso, e consegui. Passado esse primeiro ranço de perder o valor
investido da inscrição, vem o pânico da Ementa. Dez itens, dentre eles, um que
tratava de “estatística descritiva”. É para rir horrores da minha cara. Mas me
mantive firme. Bora. Tipo coach. E olha que eu tenho horror a coach.
Um misto de horror e medo. Mas bora, e fui mesmo. Comecei a estudar,
montei textos para cada item da Ementa. Vinte e três livros para estudar. Li
metade deles. Três meses depois, eis que chega a tão temida semana da prova. A
prova. Pai amado, como diria Tai. Mas bora. Aí vem a segunda fase desse
negócio, a fase “da prova”. Que parece aqueles programas de auditório, sabe? Em
que você chega num lugar e não sabe o que vai acontecer. Então, é igualzinho. Trinta
e poucas pessoas numa sala, como cara de pânico, aguardando a banca para descobrir
quais seriam as etapas desse negócio. Até o primeiro dia da prova você não sabe
que dia será o que. Você não sabe nem qual o tema que cairá na prova. É uma
coisa assim, meio Faustão, do tipo que a qualquer momento vai entrar alguém na sala
e dizer: “- Bem vinda, Bianca, você está no arquivo confidencial”, aí na sequência
entra toda sua família emocionada. Sem brincadeira. Pois bem, entra a banca e
te entrega um cronograma, uma lista de pontos – que eu explico na sequência –,
e o tal do barema – vou explicar também. O cronograma finalmente te faz
descobrir quando será o que. Os pontos, são os assuntos que, de fato, cairão na
prova escrita e didática, com base naquela ementa que mencionei, ou seja, você
fica três meses estudando meio no escuro e só descobre o que cairá mesmo nas
provas no primeiro dia do concurso. E o barema, é o documento que baliza como
você deve montar seu currículo. Nesse primeiro dia, você também descobre que a
prova será no dia seguinte. É um putz e um ufa ao mesmo tempo. Putz
porque você saiu de casa só para pegar esses três documentos. Ufa porque
os pontos que vão cair na prova escrita, obviamente, envolvem coisas que
você não estudou tão bem, tipo pé de página. Aí você volta para casa e é um
Deus nos acuda, mermão. Porque você tem menos de 24 horas para correr
atrás dos temas que você nem sonhou que ia cair. Uma primeira noite mal dormida
e bora para o segundo dia. No segundo dia você, você chega na sala com
suas anotações como se elas fossem sua vida. É feito, então, o sorteio do ponto
da prova escrita. Se eu dependesse de sorteio para resolver minha vida, meu
amor, eu tava lascada. Da lista de dez pontos, quatro pontos eu precisei
formular quase do zero no dia anterior. Ou seja, pensando na probabilidade, contando
com a minha sorte existiam seis pontos que se selecionado, iam ser bem mais tranquilos
para mim. Mas como eu disse, se eu tiver que contar com a sorte... Advinha qual
ponto caiu? Um dos quatro que eu elaborei no dia anterior. Óbvio. Mas bora.
Uma hora de consulta para anotar tudo que você precisava, e na sequência,
três horas de prova. Nesse dia eu aprendi o que significava o verbo psicografar.
Eu saí anotando aquilo tudo como se fosse a minha vida. Abreviei palavras inabreviáveis.
Cômico, se não fosse trágico. Aí você volta para casa, exausto. Sem saber como foi.
Tudo vai depender da banca receber bem ou não a abordagem que você endereçou na
sua prova. Voltando para casa, você tem que montar o seu currículo com base no
tal barema, para entregar no dia seguinte, mas, o trágico-cômico é que você só
entrega se tiver passado na prova. Passar, significa conseguir nota maior ou
igual a sete. No meu caso, eu estava tentado a prova para professor na UFF, vou
eu, então, com meu currículo debaixo do braço na barca. O que passa na sua
cabeça naquele momento é: “- foda vai ser, se eu tiver que voltar com essa
porra de currículo cheio de documentos para casa.”. Mas de novo, bora. Chegando
na sala, eles vão chamando, um a um, por ordem alfabética (nessas horas eu saúdo
meus pais por ser Bianca e penso, rindo de canto, coitado do Ray – meu marido).
Você levanta, tremendo a alma, com seu código na mão – porque a sua prova foi
desidentificada, assina uma lista e olha outra lista procurando seu código e vê
sua nota, ao lado da sua nota você espera por uma das duas opções “habilitado”
ou “não habilitado”. Eu tive que conferir
meu código umas três vezes. Estava escrito “habilitada”. Ufa! É um ufa
que vocês não têm ideia. Na hora você pensa, igual aquele vídeo da senhora
passando na enchente com o filho (quem não tiver visto, recomendo muito) “-
passamô, caralho”. E você não pode nem dar um grito, porque é desrespeito com
os colegas. E fica um climão na sala. É horrível. Na sequência, você aguarda
sentado, enviando whatsapp para a família e amigos, para entregar seu
currículo e para o sorteio do novo ponto, agora para a prova de aula. De novo
sorteio. Seja o que Deus quiser. Lembrando que agora era 3 x 6, estava
melhor para mim. Foca nesses seis pontos aí. Tinha um ponto, meus amigos, que
era o meu ponto. Expectativa a mil. Entreguei o currículo aliviada,
voltar com ele na barca ia ser horrível. E vem o sorteio. Caiu um ponto ruim
para mim. De novo, óbvio. Ai meus amigos, é um Deus nos acuda. Você
volta para casa, tendo menos de 24 horas para preparar uma aula, para uma
banca, e no meu caso, sobre um assunto que eu tinha pouquíssimo domínio.
Mas de novo, bora. Mais uma noite mal dormida. Escolhas precisam ser
feitas. Qual vai ser o fio condutor da minha aula? Que difícil. Você oscila
entre, ah tá bem legal isso aqui, vai... e, nossa que aula merda que eu montei.
No dia seguinte, você logo pela manhã, deposita a apresentação e o plano de
aula. Depois tem, novamente, um sorteio para definir a ordem de apresentação. Sorteio...
putz. Falou em sorteio eu já fico nervosa. Na minha cabeça eu pensava, “-
poxa, eu não queria ser a primeira, mas também ficar para muito tarde vai ser
horrível, passar o dia inteiro na UFF vivendo esse nervoso”. Advinha para qual
horário fui sorteada? O penúltimo, para não dizer que fui a última, rs. Na hora
eu pensei, “- Meu Deus, o que vai ser de mim?”. Mas, de novo, bora. A
sorte é que um colega também tinha passado, e ele ficou para último.
Conversamos um pouco, dividimos angústias, e ao final, ganhei tempo extra (põe
extra nisso) para rever tópicos e repassar a apresentação. Passadas as infindas
horas, foi chegando a minha vez. Caminhei de volta para o prédio do concurso,
porque tinha passado o dia todo na biblioteca, com um misto de vontade de
chorar e um levanta essa cabeça, mulher. Falar em público nunca me deixou
confortável. Nunca. Nem parece que eu sou leonina. E nessas horas passa
de tudo na nossa cabeça. Desde me lembrar do meu primeiro seminário na
faculdade, que eu travei com um blackout tão intenso, que não conseguia
falar mais nada, até o dia que fiz uma das apresentações mais tranquilas da
minha vida, num congresso em Recife. Eu sabia que aquela era a minha prova de fogo,
e ali era eu comigo mesmo. Entrei na sala, abri a apresentação e você ouve do
presidente da banca: “Bianca, você tem 50 minutos para dar sua aula, o tempo
vai começar a contar a partir de agora”. Aí parece aquela musiquinha da
banheira do Gugu, sabe? Uba uba uba ê, e você catando desesperadamente o
sabonete. E nessa prova aula você tem que dar de maluco. Porque você
precisa fingir que está falando com alunos, fingir que é uma aula dentro de uma
disciplina, e que, portanto, você está ensinando sobre um tema em continuidade
a outras aulas que já vinda dando. É muito doido. É também uma luta com
o relógio. Você tem que segurar a emoção, a voz, e controlar no relógio onde
você “está” para saber se pode aprofundar mais ou menos determinado item. Ao
final eu acabei uns 5 minutos antes. Esse controle entre a fala e o relógio foi
bem difícil para mim. Teve uma hora que em estava em 30 minutos e me bateu um
desespero do tipo: “Meu Deus, vou acabar muito antes”. Mas, eu bebi água, respirei
e segui. Ainda assim, não cravei o tempo. Dali você pega suas coisas e
sem ouvir absolutamente nenhum comentário da banca, vai embora. É um horror.
Um silêncio sepulcral. Quando eu saí do prédio, eu me vi assolada num
choro com um misto de desespero e um acabou, finalmente. Fiquei desesperada,
primeiro com o fato de ter acabado 5 minutos antes. Na sequência porque você
começa a achar que sua aula foi muito ruim. É um carrossel de emoções.
Dali você volta para casa e de tudo se passa na sua cabeça. No dia seguinte sai
o resultado. Até lá, meu amigo, é um Deus nos acuda de novo. Eu acordei no dia
seguinte doente, exaurida e ressignificada. A experiência me ensinou a enxergar
a minha capacidade de resiliência. O concurso todo, pelo menos para mim, foi
muito menos sobre saber, e mais sobre a minha capacidade de resistir e me
adaptar. E sobre isso eu aprendi que eu sou resiliente a bessa. Ao final eu fiquei
classificada em quarto lugar. O resultado foi um mix de sensações. Confesso
que eu já sabia que tinha remotas chances de ser o primeiro lugar. Mas tinha esperanças
de ficar em segundo. Porque isso, além do prestígio, significava, uma ponta de
esperanças, sobre um possível, ainda que remoto, aproveitamento futuro. Mas foi
o que tinha que ser. O meu acúmulo em Virgem, já bastante citado aqui
nos meus textos, me faz não estar tão feliz quanto eu deveria estar, por tudo.
Por todas as adversidades que foram se apresentando, pela própria natureza esquizofrênica
de um concurso para professor universitário. Mas eu me cobro demais. E acabei
me cobrando o segundo lugar. Mas aprendi demais. Aprendi mais sobre mim, do que
sobre as tais geotecnologias que tive que estudar. Aprendi que eu sou resiliente,
e a partir daqui, eu selo uma nova credencial para seguir no caminho que tenho
de construir todos os dias. E, por fim, mas não menos importante, o concurso me
fez valorizar, ainda mais, um professor universitário. Eles são, antes de mais
nada, indiscutivelmente incríveis, pelo simples fato de terem chegado
lá.