segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Rejunte branco

Desde o dia que me formei dôtora eu já tava bem ciente que isso, ou título, não servia pra muita coisa. Os dôtores (com diploma, e não os médicos e advogados - sim, isso foi uma crítica) que me desculpem, mas doutorado não te ajuda a resolver os ”b os” da vida. E essa minha hipótese, para usar os termos de uma doutora que se preze, foi confirmada há dois anos, no dia que o Baruque me pediu para comprar um rejunte para o piso do box do meu banheiro. Esse texto não era sobre essa história, mas eu não vou perder a oportunidade. Baruque, meus caros leitores, é um cara com seus quase 2 metros de altura, ex PM, que faz todo tipo de conserto que envolva eletricidade, sendo este seu ponto forte, e todo o resto que se apresente. O famoso “faz tudo”. Chamamos Baruque para ajudar a trocar a configuração da nossa sala antes do Joaquim nascer. Eu queria trocar o reck e sofá de lugar para termos mais espaço. Isso envolveria pintar uma parede e algumas coisitas mais. Quando Baruque olhava a parede que seria pintada, identificou um vazamento entre o banheiro e a sala, e aí, meus amigos, começa a minha saga. Ray perguntou a ele se dava para resolver o problema que ele acabara de identificar e ele, que não foge de trabalho, confirmou imediatamente. Foi investigativo até o banheiro e identificou mais detalhes do problema. Com o diagnóstico na cabeça, disse que a gente precisava comprar rejunte acrílico, pelo que entendi, um rejunte específico para ser usado em áreas úmidas. Na sequência, me deram uma das missões mais desafiadoras da vida: “- Bia, vai lá então comprar o rejunte, enquanto eu termino de ajudar o Baruque a colocar o painel na parede” – falou Ray. Eu, imediatamente, proferi um bom e sonoro: “- Oi, eu vou lá comprar?”. “–Isso, Bia, você vai lá e compra, tem duas lojinhas que vendem material de construção aqui perto, se não tiver em uma, tem na outra” – repetiu com detalhes, me passando a missão. Já senti um frio na barriga, mas pensei, eu grávida - na época com cerca de 7 meses de gravidez - tinha certeza de que teriam misericórdia da minha ignorância, afinal, todo mundo se padece com grávidas. Mas, ao mesmo tempo, meu orgulho não ia me deixar sair dessa missão sem completá-la. Perguntei novamente o nome do rejunte. Anotei no bloco de notas do celular e sai na missão. Parei na primeira loja e pedi o tal do rejunte. Não tinha. Confesso que segui um tanto aliviada, mas sabendo que a missão permanecia em aberto e que algum desafio ainda poderia vir. Mas, ainda assim, caminhei confiante até a segunda loja. Entrei, saquei o celular e li exatamente o que estava escrito no bloco de notas: “- Moço, boa tarde, tem rejunte acrílico? Ele me responde rápido: “- Tem, sim, qual cor você quer?”. Olhei em pânico para o bloco de notas. Cursor piscando. Não tinha indicação de cor. Ninguém me disse a cor, gente. E agora? Pensei. Respondi rápido, para não deixar ainda mais evidente minha completa ignorância, falando quase na lata: “- Transparente.”. O atendente perguntou em tom de dúvida: “- Transparente?”. Reafirmei: “- Isso, transparente.”. Afinal, todo mundo sabe que um professor quando não sabe algo ou está em dúvida, primeiro responde qualquer coisa com convicção, depois confirma se a informação está mesmo certa. Como fui firme, ele já chamou um colega para ajudá-lo: “- Ô, Fulano, tu já viu rejunte acrílico assim transparente? A moça está precisando de um” Ai, o fulano responde vindo lá de dentro: “- Transparente? Ué... tem certeza? Nunca vi”. E então, os dois intrigados chamaram mais um atendente, e dali, já imaginem que já tinha se formado um rebuliço na loja. Afinal, a grávida tinha feito o pedido bem convicta. Comecei a ficar em pânico e percebi a proporção do que a minha resposta imprudente tinha feito. A essa altura eles já estavam pegando vários sacos de rejunte e lendo um por um em busca de um de cor transparente. Pensei, num lapso de sensatez, melhor eu confirmar isso. Saquei o celular e liguei para o Ray. Ele atende e falo:  “- Ray, a cor do rejunte é transparente, né?” Eu não ia deixar baixo, portanto, já começo afirmando. Afinal, aqui tem diploma de doutorado. Ele repassa a dúvida e repete em voz alta. Eu escuto Baruque ao fundo rindo: “- Transparente não existe, cara, é branco.”. Dali eu já era uma piada. Os dois riem. Ray desliga, mas eu ainda consegui escutar o Baruque ao fundo: “- Da onde ela tirou branco, cara...” rindo a bessa. Envergonhada, falo com o atendente: “- Moço, é branca a cor”. Ai ele imediatamente para, me olha e diz: “Ahh! Claro. Branco tem, sim. 30 reais.”. E continua: “- Poxa, você falou transparente, até fiquei preocupado.”. Rindo de canto. A aquela altura eu já era uma piada na loja também. Ri sem graça. Volto caminhando para casa com o saquinho de rejunte na mão e gravo um áudio pra Fê, que formou comigo, rindo da nossa ignorância para resolver coisas do mundo real. E assim, entre reformas e rejuntes, percebi escancaradamente como valorizamos pouco as pessoas que conseguem resolver problemas reais. Mas, mesmo depois desse episódio, do qual não tinha dúvidas sobre a inaplicabilidade do doutorado, fui pega novamente nos botes da vida. Mas esse bote, eu conto na próxima história.


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